Parecia um conceito que só resultaria nos Estados Unidos.
A verdade é que os portugueses têm tudo menos o hábito de
reuniões estruturadas a tempo e horas, com rigor e diretos ao assunto, especialmente
quando já existe um elo emocional. Preferimos restaurantes e bares para fechar negócios
ou para pensar melhor no funcionamento da empresa onde trabalhamos.
Em casa, não é muito diferente.
Muita coisa se discute à hora da refeição ou ao domingo à
tarde, nos intervalos dos programas de Tv.
E que mal tem, se estamos reunidos de igual forma?
Julgo que se não
tivesse experimentado, não teria notado a diferença.
Uma das técnicas fundamentais da Disciplina Positiva são as
reuniões de família e obedecem a uma estrutura pré definida.
As reuniões são agendadas todas as semanas ao mesmo dia, à
mesma hora, de acordo com a disponibilidade de todos os elementos da família.
Existe uma mesa vazia, um livro de atas, uma agenda ou bloco
de notas e dois cargos principais (rotativos): Um Presidente que coordena toda
a reunião, e um Secretário que regista e lê a ata, onde todos assinam e dá-se por
encerrada a reunião.
Até soa a caso de tribunal, mas existem 2 princípios que tornam
estas reuniões únicas e que devem ser assumidos, prontamente, por todos os
membros da família:
Honestidade
emocional
Estarmos reunidos para discutir assuntos
sérios não quer dizer que não possam existir momentos de humor ou
exteriorização de sentimentos. Podem e devem existir. A reunião de família é o
lugar ideal para sermos nós próprios e dizer o que pensamos sem nunca corromper
a confiança, e buscar respostas ao abrigo de quem nos quer melhor que ninguém.
Respeito
mútuo
Todos assumem um papel decisor de igual
importância. Estes encontros não servem para os pais pregarem sermões a filhos,
nem para irmãos atirarem culpas. Servem sim, para encontrar soluções que
respeitem todos os envolvidos. E é por isso que nenhuma solução deverá ser
aplicada sem unanimidade. As crianças (e até os adultos) aceitam melhor os
compromissos, quando contribuem no processo e concordam com a decisão final.
E na prática, como acontece?
As reuniões começam por cumprimentos e saudações.
Todos os intervenientes devem encontrar algo de construtivo
ou apreciativo para dizer a cada um dos participantes. Esta condição ajuda a
confraternizar e a focar nos pontos positivos do outro, tornando o ambiente
mais leve e propício à cooperação, em vez da culpabilização e da competição.
Segue-se a ordem de trabalhos.
Primeiro, a avaliação e análise de assuntos anteriores.
Segundo, a discussão de assuntos a resolver em conjunto.Todas as ideias são válidas de serem discutidas, e a solução
encontrada deve ser experimentada pelo menos durante uma semana antes de se
tornar norma.
As crianças com menos de 4 anos poderão ainda não estar
aptas para participar ativamente nestas reuniões, mas devem estar presentes e
ser-lhes permitido intervir por forma a aumentar o sentimento de pertença.
As intervenções devem ser moderadas pelo presidente que
passará a palavra por ordem de pedido. Uma boa dica é utilizar um objeto que
valide quem está a falar naquele momento, para que não possa ser interrompido
por quem não esteja a segurá-lo. Uma simples caneta, lápis ou cartão colorido é
o suficiente para marcar a posição.
É comum que as primeiras reuniões não corram tão bem como o
esperado. E também é normal que cada família dê o seu toque pessoal. O
importante que não existam fatores de distração sobre a mesa e que o ambiente
seja harmonioso e transparente.
A marcação na agenda de pelo menos uma atividade familiar
onde todos participem, e a distribuição de tarefas especiais (como limpar a
casota do cão, regar as plantas ou colocar o lixo fora) concluem a reunião.
Uma forma de atribuir a responsabilidade destes encargos ou de escolher as atividades,
poderá ser tirar à sorte um papelinho com uma das opções escrita de dentro de
um pote, ao que podemos chamar, em dose de humor, o pote das surpresas.
Para o desfecho, é indispensável ter previsto uma
atividade lúdica, uma sobremesa, ou algo que possa honrar a participação de
todos na reunião e que satisfaça todos os gostos.
A agenda deve estar ao alcance de todos e serve para
tomar nota de situações que vão surgindo no intervalo das reuniões e que
gostaríamos de ver debatidos ou resolvidos.
Por exemplo, Ana é mãe de 3 meninos, com idades entre os 2 e
os 10 anos. Todos os dias apanhava as coisas espalhadas pelos filhos, por toda
a casa. Ficava aborrecida com aquela situação; por mais que avisasse e
arruma-se, a casa continuava desorganizada. Ana estava a perder a esperança e levou
o assunto à reunião. Uma das crianças teve uma ideia. Arranjar um caixote onde
se colocassem todos os objetos deixados fora do lugar. Com uma regra
intransponível, ninguém poderia reaver o seu pertence no espaço de uma semana.
Resultou. Resultou porque todos cumpriram com a regra e para
seu espanto, Ana não queria crer na quantidade de coisas que ela própria
deixava pelo caminho. E resultou melhor, porque foram as crianças a encontrar a
solução.
A verdade é que, na dúvida sobre a eficácia deste tipo de
reuniões, experimentei e fiquei convencida. Tenho uma filha de 6 anos e de uma
primeira reunião, onde fartou-se de interromper e de sair do seu lugar, para a
nossa última reunião de há dois dias atrás, revejo-lhe cada vez mais competência
para encontrar soluções; mais responsabilidade e determinação a cumprir com
calendários; mais confiante e disposta a partilhar as suas dúvidas e desafios,
e acima de tudo, altamente motivada para estar em família.
O maior ganho está em ser uma prática que fortalece as relações familiares já que resulta a longo prazo e permite-nos partilhar intimidade, experiências e muitos bons momentos.
Sinto-me bem. Posso contar com todos. Os meus olhos brilham.
Jenny da Silva
Sem comentários:
Enviar um comentário